Outono encontro 4

Encontro 4:
cedro atlas e cenoura semente

Um encontro de descida e chegada: o que há de preenchimento, estrutura, prazer e impulso ali, no fundo de nós, nas abóbadas da nossa pelve? Buscamos o rio âmbar e sua deidade, com cedro, aninhadas pelo doce embalo de cenoura semente.



Ele

Quem era ele? Onde se encontrava ele?
Quase incorpóreo, invertebrado, inconsciente,
que coerência lhe restava para se ligar ao mundo?
Que vagarosos enlaces, que amplexos, que trama viva
ainda o reteriam no mundo como um ser?

Pelas gretas do tempo, no tremor das palavras
procura o tranquilo fulgor da terra, as serenas vozes.
Era simples na obscuridade e era nulo e vago,
que peso teriam as palavras agora, que imagens,
que rostos, que ruídos surdos à beira do abismo?
Em ténues linhas sobre o vazio vacila.

Enlaçado aos ramos, é uma figura vegetal
que encontrou a vagarosa densidade.
Nas concavidades busca a materna proximidade.
Na sua fragilidade acolhe a palavra sem promessa.
O que o faz escrever é a enigmática profusão da terra,
onde renova o pacto com a matéria intensa.

– António Ramos Rosa


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Terra

Ter às mãos o barro, a densidade da matéria. Sentir crescer o gesto formativo, criador, emanando do fundo fértil e quente até a superfície tátil e ágil dos dedos. A nutrição, a estrutura, a abundância possível do ato criativo, seu contato com a fonte.

Das mãos que carregam os processos às mãos que os informam e modelam, as tantas formas que podemos ter.
Abaixo, algumas investigações artísticas de inspiração e pesquisa possível.


A série dos Amassadinhos: registros da mão que aperta a terra. Ecoa o gesto que encontramos na obra de Orozco, abaixo, e todo o simbolismo da mão como marca, que nos acompanha desde tempos primevos.

Mis manos son mi corazón.
Gabirel Orozco. 1991

Feito com barro de uma fábrica de tijolos.

Cueva de las manos, Santa Cruz, Argentina. Datam de cerca de 7350 a.C.


Os gansos selvagens

Passeio a cavalo num domingo de manhã,
finda a colheita, saboreamos caquis
e uvas selvagens, aguda doçura
do fim do verão. No dédalo do tempo
dos campos de outono, nomeamos os nomes
que foram a oeste daqui, nomes
que descansam em túmulos. Abrimos
a semente de caqui para encontrar a árvore
que aguarda em promessa,
pálida, na seiva da semente.
Gansos surgem alto sobre nós,
passam, o céu se fecha. É o abandono,
como no amor ou no sono, que os mantêm
em seus caminhos, com clareza,
na antiga fé: o que precisamos
está aqui. E nós rezamos, não por
nova terra ou céu, mas para
termos a quietude no coração e, nos olhos,
a clareza. O que precisamos está aqui.